terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Liderando o Jardim Interior

“Um artista da guerra, nada mais é do que um artista do conflito. Aquele que manipula o conflito retirando dele soluções, idéias criativas, saídas inesperadas, úteis e principalmente, tendo conseguido seu objetivo inicial, que está sempre para além do conflito.” – Renato Kress

Enquanto estudava para criar meu curso A Arte da Guerra Oriental interessei-me profundamente sobre a razão que levaria os poderosos samurais, guerreiros lendários, líderes agrários e defensores dos valores de disciplina, lealdade e habilidade marcial a se interessarem pelo ikebana, a arte floral de arranjos destinados à figura religiosa de Buda. O que levaria especialistas na arte da morte, na evolução pessoal pela espada, a dedicarem tempo e esforço a uma planta em miniatura?

É uma dúvida compreensível dentro de nossa mentalidade ocidental. Nossa socialização imersa nos valores judaico-cristãos tende a fazer uma divisão, uma ruptura, entre a divindade e a natureza, entre a matéria e o divino. Muito desse menosprezo é responsável tanto por nossos avanços tecnológicos quanto pela situação de degradação de nosso meio ambiente. Quando pensamos sobre nosso desenvolvimento espeiritual ou sobre nosso desenvolvimento intelectual tendemos a fazê-lo desconsiderando os aspectos materiais, desconsiderando o fato de que somos feitos de matéria e é através da matéria que expressamos nossos mais sublimes pensamentos, desejos, sentimentos.

Um golpe
O samurai se interessa pelo ikebana, pelos arranjos florais e pela arte do bonsai por uma razão eminentemente prática: Sua conduta marcial obriga-o a eliminar seu oponente da forma mais "limpa" possível, preferencialmente com apenas um golpe. 

Se dois samurais pretendem, cada um, eliminar seu oponente com apenas um movimento de espada, é necessário, antes de tudo, que ele possa antever os movimentos de seu oponente. Antever os movimentos de seu oponente implica em observar a veia em suas têmporas, o sangue que irriga as costas de suas mãos ao pressionarem o cabo da espada antes que o golpe seja deferido. Se um indivíduo consegue ver a seiva passando por dentro de um bonsai, se consegue antever os movimentos do tropismo de uma árvore em miniatura, ele tem essasensibilidade, essa espécie de filigrana sensorial capaz de perceber seu oponente e atacar no momento exato. 

Nosso Jardim
O quanto somos capazes de observar a nós mesmos? O quanto somos capazes de respeitar nossos pedidos internos de descanso, de aventura, de convívio familiar, de alimentação regrada? Quando adoecemos com frequência ou não conseguimos nos concentrar o suficiente para achar a solução de um problema, é nosso jardim interior implorando por podas. Podar é focar nosso crescimento. 

Podar e crescer
Meu conhecimento sobre biologia é bem limitado, mas quando penso sobre estruturas vivas na natureza que crescem da mesma forma para todos os lados desordenadamente logo me vêem à mente os fungos e os cânceres. Nenhum dos dois me inspira grande confiança. Nosso crescimento, para que seja impactante, precisa focar, ter uma meta e um componente valorativo - emocional - que nos impulsione em direção a ela. Portanto poda é foco. Podar é direcionar o processo de crescimento em prol de uma finalidade, com um propósito bem definido. Liderar, muitas vezes, requer podar, eliminar crescimentos alheios à meta estabelecida, cercear perdas de energia e tempos ociosos, direcionar ação, disciplina e atenção sobre um único processo até que ele esteja finalizado.

Controle
Liderar, portanto, exige controle. Samurais controlam sua respiração, seus batimentos, seus movimentos internos e, concomitantemente, os movimentos internos de seus adversários, é uma luta sublime. Não é de se admirar que Musashi, o maior espadachim histórico de que se tem notícia, compreendesse sua evolução espiritual como o kendô, o "caminho da espada". 

Todos os processos da vida implicam movimento, sair de um estado e entrar em outro. Quando lideramos lideramos um corpo em um processo. Pode ser nosso corpo pessoal ou um corpo formado por vários indivíduos, uma corporação, mas estamos sempre em um processo, uma caminhada. É impossível liderar sem foco e o foco nos impossibilita liderar parados. Liderança é movimento e a essência desse movimento, muitas vezes, pode estar contida num único golpe, que o oponente não pode, nunca, antever.


Texto: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA


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