segunda-feira, 23 de maio de 2011

Antropologia interna: O Líder e os rituais de socialização

Sou resistente com a palavra 'líder' como tem sido usada. Percebo que a vulgarização de um termo colabora diretamente para a perda de sentido do mesmo. Dizer "amor" já não impacta como dizer "afeto". É claro que o amor é hierarquicamente superior ao afeto, mas o amor anda por aí em tanta letra de música, em tantas placas, dizeres, poemas, anúncios... é como crise. Nossos avós falavam da crise de 1929 com um pânico como se fosse a entropia, o universo se engolindo, tudo perdendo o sentido e as pessoas efetivamente se jogando dos prédios. Hoje em dia "crises" começam no café da manhã e terminam no jantar. Se os bombeiros fazem greve justa por justos salários e condições dignas de trabalho é uma "crise de insegurança incendiária e marítima" segundo os meios de apavorament... digo comunicação. Quantas crises econômicas já vivemos? Isso sem contar as existenciais, afetivas, familiares... A repetição esvazia o termo. 

O trabalho de um bom treinador, entre outros, é estar sempre delimitando o uso do termo, preenchendo de sentido aquilo que o mundo vive esvaziando. Ressalva feita, falarei do 'líder', com aspas mesmo. Porque não me refiro ao líder vazio de significado que aparece na capa das revistas da moda gerencial - falarei de um ponto de vista em que a palavra ainda tem sentido forte, do ponto de vista da ciência política que estuda as relações de poder e, logo, os 'líderes', com algum significado.  

Informação, conhecimento, poder
Um bom 'líder' observa. É impossível liderar sem possuir muita informação estruturada em conhecimento e a melhor forma de conseguir boas informações é observar. Mais do que o que João fala ou Maria escreve, me interessa o que João faz e o que Maria produz. Observar os comportamentos dos membros da equipe é a melhor forma de compreender suas visões de mundo e saber dialogar no mesmo nível, na mesma linguagem, com os colegas e 'liderados'. 

Observar e perceber rituais. É perceber etapas no desenvolvimento da carreira pessoal e no desenvolvimento da carreira de seus colegas e 'liderados'. Tendo uma consciência maior das fases de integração social dentro de uma empresa ou departamento é possível 'liderar' com mais efetividade e operar mudanças de forma inteligente, coadunando a fase da carreira do indivíduo com suas aspirações pessoais e as expectativas inerentes ao cargo que ele ocupa.

Integração social e fases
A integração em um grupo, seja ele familia, um círculo de amigos ou um grupo de trabalho, implica a aquisição de status, de papéis e de normas. Ela pode se realizar de diversos modos, entre eles as práticas de inserção e ritualização que exemplificaremos a seguir.


Socialização organizacional
As práticas de inserção, sessões de orientação, formaçãno no local de trabalho, tutoria, boletins internos, manuais de procedimentos são o que se pode considerar como socialização organizacional e podem ser investigados com facilidade pelos 'líderes'.

A entrada
A primeira etapa da sociaização consiste na entrada do indivíduo em um grupo. No decorrer dessa etapa, indivíduo e grupo procuram conhecer-se o bastante para saber se vão estabelecer uma relação duradoura. É como a primeira vez que você é convidado para conhecer a família do seu namorado ou namorada. O indivíduo procura informação a respeito do grupo e das pessoas que fazem parte dele - Ah, e o seu pai é formado em quê mesmo? E sua mãe, como se chama? Seu irmão trabalha em...?  A partir daí o indivíduo consegue começar a determinar os papéis que pode desempenhar e as contribuições que pode trazer. 

Representantes do grupo também procuram informações sobre o novato - E você trabalha em quê mesmo, rapaz? - sobre sua personalidade, sua história pessoal - E seus pais? De onde são? - suas qualidades, sobre os recursos de que dispõe etc. Quando as duas partes calculam que seria interessante estabelecer a relação, então o indivíduo faz sua entrada no grupo.

A aceitação
No início, o indivíduo pode se contentar com fazer parte do grupo e, caso se trate de uma organização, seu principal desafio será demonstrar seu valor e sua capacidade de lograr uma boa performance para se fazer aceitar pelos membros do grupo. Nessa fase o indivíduo se esmera em corresponder as expectativas que percebe que recaem sobre ele. - Seus pais gostaram de mim?

A adaptação
Para ampliar sua aceitação no grupo - tornar-se um "nativo" - o novato precisa em primeiro lugar se familiariar com seu trabalho e com o funcionamento da organização, em seguida precisa tomar informações a respeito das responsabilidades que lhe incumbem e ter bom desempenho.

Isso implica que ele deve aprender muita coisa: familiarizar-se com a instalação física da organização - Onde ficam os talheres? -  tomar conhecimento das regras e dos procedimentos administrativos - Ah, é aqui que eu sento? - das relações hierárquicas e das alianças informais, descobrir os recursos oferecidos pela organização e a maneira de ter acesso a eles, os hábitos de trabalho comumente admitidos e esperados, as responsabilidades que lhe cabem, os papéis que lhe são atribuidos, as competências que deve desenvolver etc.

Isso requer igualmente que o novato seja capaz de estabelecer relações positivas com seus colegas e com seu superior hierárquico, que aceite trabalhar com pessoas que não pensem exatamente como ele, que descubra como procurar ajuda se tiver necessidade, que confie nos outros e aumente sua eficiência pessoal dentro do sistema.


A integração
O novo membro precisa aprender muitas coisas e interiorizar as normas e valores da organização, preservando sempre sua individualidade e criatividade. Então, quando os membros daquela organização reconhecem sua competência e contribuição ele torna-se um membro integral do grupo, e o sentimento que ele experimenta de pertencer ao grupo alcança um ponto elevado.

O grupo atribui ao novo membro papéis que julga que ele seja apto a desempenhar, a fim de aumentar sua contribuição para a eficiência da unidade e da organização.

Fase de divergência
Em dado momento é possível que o novo membro experimente um sentimento de ter atingido o ápice em seu trabalho, ou sinta tédio, ou ainda necessidade de fazer outra coisa. Ele pode, então, negociar novos desafios - Estamos pensando em viajar juntos! Europa! Um mês! - com os outros e pensar em mudanças em seus papéis. Essa é uma etapa na qual o individuo define seus objetivos e busca oportunidades de avanço na empresa.

Fase crítica: mudança ou estagnação
É natural que seu engajamento no grupo diminua, assim como seu interesse pelo trabalho. A ausência de desafios tende a gerar apatia. Quando logra entender-se com seus colegas, é possível que encontre um meio de redefinir seus papéis sem contrariar os outros e talvez decida continuar em seu posto. É também possível que ele deseje deixar seu posto e precise ser promovido ou mudar de empresa.

Fase da partida
A última etapa é a saída, que corresponde ao momento em que o indivíduo decide deixar seu posto. A partida não é obrigatoriamente um acontecimento traumático - Quer casar comigo? - pode ser um momento em que ele e o grupo rememoram os acontecimentos felizes e infelizes que marcaram sua relação. Ou pode ser um término mesmo.

A organização e a herança organizacional
Ao longo de sua passagem pelo grupo o indivíduo contribuiu para a mudança da estrutura social desse grupo em razão das acomodações e transformações que produziu na situação que lhe haviam conferido no início. Seu substituto, se houver um, deverá continuar o trabalho que ele empreendeu. Em outros termos o substituto assumirá a posição tal como a deixou o ex-funcionário ao sair do grupo. Posteriormente ele poderá voltar à primeira fase e empreender mudanças estruturais uma vez inserido no contexto, mas a princípio ele terá que satisfazer expectativas que outro criou.

Ritos: observação e mudança
O processo de integração de um indivíduo em uma cultura corporativa é paralelo ao processo psíquico do apego e isso comprova a complementaridade desses dois processos. 'Líderes' que se interessam pelas práticas de socialização organizacional observam padrões de interação que se repetem bastante nas empresas. Esses padrões são, de fato, ritos de inserção e denotam a importância da ritualização como mecanismo de integração.

Um ritual - no contexto da cultura orgnizacional - é uma sequencia de atividades empreendidas por uma pessoa ou grupo para obter determinadas respostas d outro. Podem-se observar diversos rituais nas empresas: acolhida de novos membros, ritos iniciáticos, festas organizadas quando de comemorações empresariais importantes, cerimônias oficiais, assembléias de funcionários etc.

Uma passagem do livro O Pequeno Príncipe ilustra muito bem isso:

"A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:

- Por favor... cativa-me! - disse ela.

- Bem quisera - disse o principezinho -, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.


- A gente só conhece bem as coisas que cativou -disse a raposa - Os homens não tem mais tempo de conhecer coisa alguma. Comprarm tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não tem mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

- Que é preciso fazer? - perguntou o principezinho

- É preciso ser paciente - respondeu a raposa. - tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto.

No dia seguinte o principezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares À mesma hora - disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as trÊs eu começarei a ser feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... é preciso ritos."
- Trecho do livro Le Petit Prince, de Antoine de Saint-Exupéry

É pela socialização que se aprende as normas e os papéis sociais, interioriza-se os elementos socioculturais próprios a seu meio e desenvolve-se o sentimento de pertencimento, que é o que libera o indivíduo para ser dinâmico e criativo no seu trabalho, além de reforçar os vínculos de qualidade de vida no trabalho que cimentam a fidelidade no trabalho. Já conheci muitas pessoas que se mantiveram fieis não à empresa em que trabalham nem ao seu salário, mas à qualidade das relações construídas no local de trabalho. Um bom 'lider' conhece cada etapa desse processo e sabe como trabalhar especificamente em casa uma delas.

O curso Liderança Corporativa e PNL patenteado pelo Instituto ATENA treina arduamente técnicas da pnl criadas exclusivamente para trabalhar a cultura organizacional e os ritos, ampliando a concepção e oferecendo novas ferramentas gerenciais para uma liderança efetiva e inteligente.

Texto: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA

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