segunda-feira, 23 de maio de 2011

Antropologia interna: O Líder e os rituais de socialização

Sou resistente com a palavra 'líder' como tem sido usada. Percebo que a vulgarização de um termo colabora diretamente para a perda de sentido do mesmo. Dizer "amor" já não impacta como dizer "afeto". É claro que o amor é hierarquicamente superior ao afeto, mas o amor anda por aí em tanta letra de música, em tantas placas, dizeres, poemas, anúncios... é como crise. Nossos avós falavam da crise de 1929 com um pânico como se fosse a entropia, o universo se engolindo, tudo perdendo o sentido e as pessoas efetivamente se jogando dos prédios. Hoje em dia "crises" começam no café da manhã e terminam no jantar. Se os bombeiros fazem greve justa por justos salários e condições dignas de trabalho é uma "crise de insegurança incendiária e marítima" segundo os meios de apavorament... digo comunicação. Quantas crises econômicas já vivemos? Isso sem contar as existenciais, afetivas, familiares... A repetição esvazia o termo. 

O trabalho de um bom treinador, entre outros, é estar sempre delimitando o uso do termo, preenchendo de sentido aquilo que o mundo vive esvaziando. Ressalva feita, falarei do 'líder', com aspas mesmo. Porque não me refiro ao líder vazio de significado que aparece na capa das revistas da moda gerencial - falarei de um ponto de vista em que a palavra ainda tem sentido forte, do ponto de vista da ciência política que estuda as relações de poder e, logo, os 'líderes', com algum significado.  

Informação, conhecimento, poder
Um bom 'líder' observa. É impossível liderar sem possuir muita informação estruturada em conhecimento e a melhor forma de conseguir boas informações é observar. Mais do que o que João fala ou Maria escreve, me interessa o que João faz e o que Maria produz. Observar os comportamentos dos membros da equipe é a melhor forma de compreender suas visões de mundo e saber dialogar no mesmo nível, na mesma linguagem, com os colegas e 'liderados'. 

Observar e perceber rituais. É perceber etapas no desenvolvimento da carreira pessoal e no desenvolvimento da carreira de seus colegas e 'liderados'. Tendo uma consciência maior das fases de integração social dentro de uma empresa ou departamento é possível 'liderar' com mais efetividade e operar mudanças de forma inteligente, coadunando a fase da carreira do indivíduo com suas aspirações pessoais e as expectativas inerentes ao cargo que ele ocupa.

Integração social e fases
A integração em um grupo, seja ele familia, um círculo de amigos ou um grupo de trabalho, implica a aquisição de status, de papéis e de normas. Ela pode se realizar de diversos modos, entre eles as práticas de inserção e ritualização que exemplificaremos a seguir.


Socialização organizacional
As práticas de inserção, sessões de orientação, formaçãno no local de trabalho, tutoria, boletins internos, manuais de procedimentos são o que se pode considerar como socialização organizacional e podem ser investigados com facilidade pelos 'líderes'.

A entrada
A primeira etapa da sociaização consiste na entrada do indivíduo em um grupo. No decorrer dessa etapa, indivíduo e grupo procuram conhecer-se o bastante para saber se vão estabelecer uma relação duradoura. É como a primeira vez que você é convidado para conhecer a família do seu namorado ou namorada. O indivíduo procura informação a respeito do grupo e das pessoas que fazem parte dele - Ah, e o seu pai é formado em quê mesmo? E sua mãe, como se chama? Seu irmão trabalha em...?  A partir daí o indivíduo consegue começar a determinar os papéis que pode desempenhar e as contribuições que pode trazer. 

Representantes do grupo também procuram informações sobre o novato - E você trabalha em quê mesmo, rapaz? - sobre sua personalidade, sua história pessoal - E seus pais? De onde são? - suas qualidades, sobre os recursos de que dispõe etc. Quando as duas partes calculam que seria interessante estabelecer a relação, então o indivíduo faz sua entrada no grupo.

A aceitação
No início, o indivíduo pode se contentar com fazer parte do grupo e, caso se trate de uma organização, seu principal desafio será demonstrar seu valor e sua capacidade de lograr uma boa performance para se fazer aceitar pelos membros do grupo. Nessa fase o indivíduo se esmera em corresponder as expectativas que percebe que recaem sobre ele. - Seus pais gostaram de mim?

A adaptação
Para ampliar sua aceitação no grupo - tornar-se um "nativo" - o novato precisa em primeiro lugar se familiariar com seu trabalho e com o funcionamento da organização, em seguida precisa tomar informações a respeito das responsabilidades que lhe incumbem e ter bom desempenho.

Isso implica que ele deve aprender muita coisa: familiarizar-se com a instalação física da organização - Onde ficam os talheres? -  tomar conhecimento das regras e dos procedimentos administrativos - Ah, é aqui que eu sento? - das relações hierárquicas e das alianças informais, descobrir os recursos oferecidos pela organização e a maneira de ter acesso a eles, os hábitos de trabalho comumente admitidos e esperados, as responsabilidades que lhe cabem, os papéis que lhe são atribuidos, as competências que deve desenvolver etc.

Isso requer igualmente que o novato seja capaz de estabelecer relações positivas com seus colegas e com seu superior hierárquico, que aceite trabalhar com pessoas que não pensem exatamente como ele, que descubra como procurar ajuda se tiver necessidade, que confie nos outros e aumente sua eficiência pessoal dentro do sistema.


A integração
O novo membro precisa aprender muitas coisas e interiorizar as normas e valores da organização, preservando sempre sua individualidade e criatividade. Então, quando os membros daquela organização reconhecem sua competência e contribuição ele torna-se um membro integral do grupo, e o sentimento que ele experimenta de pertencer ao grupo alcança um ponto elevado.

O grupo atribui ao novo membro papéis que julga que ele seja apto a desempenhar, a fim de aumentar sua contribuição para a eficiência da unidade e da organização.

Fase de divergência
Em dado momento é possível que o novo membro experimente um sentimento de ter atingido o ápice em seu trabalho, ou sinta tédio, ou ainda necessidade de fazer outra coisa. Ele pode, então, negociar novos desafios - Estamos pensando em viajar juntos! Europa! Um mês! - com os outros e pensar em mudanças em seus papéis. Essa é uma etapa na qual o individuo define seus objetivos e busca oportunidades de avanço na empresa.

Fase crítica: mudança ou estagnação
É natural que seu engajamento no grupo diminua, assim como seu interesse pelo trabalho. A ausência de desafios tende a gerar apatia. Quando logra entender-se com seus colegas, é possível que encontre um meio de redefinir seus papéis sem contrariar os outros e talvez decida continuar em seu posto. É também possível que ele deseje deixar seu posto e precise ser promovido ou mudar de empresa.

Fase da partida
A última etapa é a saída, que corresponde ao momento em que o indivíduo decide deixar seu posto. A partida não é obrigatoriamente um acontecimento traumático - Quer casar comigo? - pode ser um momento em que ele e o grupo rememoram os acontecimentos felizes e infelizes que marcaram sua relação. Ou pode ser um término mesmo.

A organização e a herança organizacional
Ao longo de sua passagem pelo grupo o indivíduo contribuiu para a mudança da estrutura social desse grupo em razão das acomodações e transformações que produziu na situação que lhe haviam conferido no início. Seu substituto, se houver um, deverá continuar o trabalho que ele empreendeu. Em outros termos o substituto assumirá a posição tal como a deixou o ex-funcionário ao sair do grupo. Posteriormente ele poderá voltar à primeira fase e empreender mudanças estruturais uma vez inserido no contexto, mas a princípio ele terá que satisfazer expectativas que outro criou.

Ritos: observação e mudança
O processo de integração de um indivíduo em uma cultura corporativa é paralelo ao processo psíquico do apego e isso comprova a complementaridade desses dois processos. 'Líderes' que se interessam pelas práticas de socialização organizacional observam padrões de interação que se repetem bastante nas empresas. Esses padrões são, de fato, ritos de inserção e denotam a importância da ritualização como mecanismo de integração.

Um ritual - no contexto da cultura orgnizacional - é uma sequencia de atividades empreendidas por uma pessoa ou grupo para obter determinadas respostas d outro. Podem-se observar diversos rituais nas empresas: acolhida de novos membros, ritos iniciáticos, festas organizadas quando de comemorações empresariais importantes, cerimônias oficiais, assembléias de funcionários etc.

Uma passagem do livro O Pequeno Príncipe ilustra muito bem isso:

"A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:

- Por favor... cativa-me! - disse ela.

- Bem quisera - disse o principezinho -, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.


- A gente só conhece bem as coisas que cativou -disse a raposa - Os homens não tem mais tempo de conhecer coisa alguma. Comprarm tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não tem mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

- Que é preciso fazer? - perguntou o principezinho

- É preciso ser paciente - respondeu a raposa. - tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto.

No dia seguinte o principezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares À mesma hora - disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as trÊs eu começarei a ser feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... é preciso ritos."
- Trecho do livro Le Petit Prince, de Antoine de Saint-Exupéry

É pela socialização que se aprende as normas e os papéis sociais, interioriza-se os elementos socioculturais próprios a seu meio e desenvolve-se o sentimento de pertencimento, que é o que libera o indivíduo para ser dinâmico e criativo no seu trabalho, além de reforçar os vínculos de qualidade de vida no trabalho que cimentam a fidelidade no trabalho. Já conheci muitas pessoas que se mantiveram fieis não à empresa em que trabalham nem ao seu salário, mas à qualidade das relações construídas no local de trabalho. Um bom 'lider' conhece cada etapa desse processo e sabe como trabalhar especificamente em casa uma delas.

O curso Liderança Corporativa e PNL patenteado pelo Instituto ATENA treina arduamente técnicas da pnl criadas exclusivamente para trabalhar a cultura organizacional e os ritos, ampliando a concepção e oferecendo novas ferramentas gerenciais para uma liderança efetiva e inteligente.

Texto: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Estratégia Social XL

Tratar com simpatia os grandes homens


Baltasar Gracián: O Herói se combina com heróis. Tal capacidade, chamada simpatia, constitui uma maravilha da natureza, por ser tão misteriosa quanto benéfica. Existe afinidade de coração e de temperamento, e os efeitos da simpatia se parecem com os que o vulgo atribui às poções mágicas. Essa simpatia, além de nos ajudar a ganhar a estima, faz com que os outros se inclinem para nós, granjeando rapidamente sua boa vontade. Persuado sem palavras, conquista sem mérito. Existem a simpatia ativa e a passiva, e ambas operam maravilhas quando ornadas de qualidades sublimes. Requer grande habilidade conhecê-las, distingui-las e tirar proveito delas. Não há esforço que baste se não houver tal privilégio misterioso.

ATENA: É comum, em nossa sociedade hipercompetitiva, que se esqueça o foco principal do trabalho e que o indivíduo se perca em observar o vizinho com desdém, desconfiança e medo. Essa é a mentalidade de um covarde e um covarde não tem méritos. O medo gera a intolerância e o ódio, que alimenta a inveja e a competitividade sem foco. Essa espécie de competitividade é característica de quem perde o foco na meta e transforma o que vê como "concorrente" na meta. É a estratégia básica do medroso querer que todos vivam na insegurança como forma de mascarar sua própria ausência de foco, de plano, de criatividade ou autonomia. Só os corajosos, só os autônomos e verdadeiramente conscientes de si e de suas capacidades são capazes de ser simpáticos em relação aos grandes homens, admirar-lhes os feitos e aprender com eles. É preciso uma grande dose de humildade para ser grande.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Real Estratégia: Sun Tzu, cases de sucesso e auto-ajuda contemporânea

Sempre que caminho por entre as livrarias não me furto à oportunidade de vasculhar os livros de programação neurolingüística (pnl), de coaching, de mentoring. Deveria ficar a critério de um bom biblioteconomista mas acredito que fique a cargo dos próprios funcionários a alocação dos livros. Os de pnl e coaching acabam ficando próximos ou mesmo em três seções: auto-ajuda, administração e psicologia. Bem, tanto a pnl quanto o coaching são ótimas ferramentas que podem auxiliar nos três processos: resolução de questões e angústias pessoais, administrar metas e alcançar objetivos e conhecer-se melhor para viver melhor. São áreas correlatas e é saudável que sempre que possível, trabalhem em uníssono.

Observando os livros que ladeiam os de pnl e de coaching pude notar o excesso de livros com 10 passos, 7 passos, 20 hábitos, 30 técnicas etc para ser mais assertivo, próativo, um vendedor de sucesso, um empresário de sucesso, para resolver isso ou aquilo etc e essas publicações me preocupam.

Sistemas Complexos

Me preocupam não porque esses 10 passos, 20 hábitos ou 30 técnicas não sejam funcionais, muitas vezes o são e são muito até! Tudo depende, é claro, da expectativa com que se adquire tais livros e da forma como se lê essas obras. Quem trabalha com teoria social sabe o quão penoso, inglório, injusto e decepcionante é tentar adequar a sociedade a uma teoria sobre essa sociedade. O mais sábio é sempre sacrificar toda ou pelo menos uma parte da teoria e não querer que a realidade se encaixote para caber nesse ou naquele modelo - porque isso nunca acontecerá. Sociedades são sistemas vastos, complexos e dinâmicos demais para caber em qualquer teoria. O mesmo se aplica ao ser humano.

Indivíduos únicos, circunstâncias únicas

Cada ser humano tem uma representação da realidade diferente. Um pintor sabe muito mais cores e nuances do que o escritor desse texto, com toda certeza. Um cozinheiro conhece muito mais filigranas e teores de sabores que a maior parte de nós. Um índio vive toda a sua vida num ambiente em que nós morreríamos em questão de dias. Seres humanos são diferentes, são frutos de experiências de vida diferentes.

Percepções e pnl

Não me preocupa a intenção do escritor do livro - que elencou um modelo interessante, inteligente talvez mesmo revolucionário de alcançar um determinado objetivo - não me preocupa porque é disso que se trata a pnl, por exemplo. "Modelar", criar um modelo baseado na conduta intrínseca (valores, crenças, identidade) e extrínseca (ambientes, comportamentos, habilidades) de um indivíduo e usar esse modelo para atingir uma performance maior que a que ele atingia anteriormente.

A intenção do leitor

Me preocupa mesmo é a forma como compramos essas obras, como muitas vezes acreditamos sinceramente que a aplicação de um modelo baseado num indivíduo que alcançou um determinado sucesso (suponhamos a criação de um "Modelo Eike Batista" por exemplo) nos faz crer que teremos os mesmos resultados que os alcançados pelo indivíduo modelado. Isso é irreal. As circunstâncias da vida de um Schumacher e o talento de um Schumacher são pessoais e intransferíveis, o que não quer dizer que eu não vá dirigir melhor se modelar o Schumacher, com certeza irei. Mas nunca como ele.
O que você espera que
aconteça ao terminar de
ler um livro como esse???

O problema nos livros com 10 passos, 20 hábitos ou 30 técnicas é que muitas vezes o leitor não tem uma meta bem definida (literalmente não sabe o que quer) e, quando chega ao final do livro, tendo aplicado melhor ou pior alguns dos seus preceitos, fica genuinamente decepcionado ao olhar ao redor e não estar efetivamente "no cockpit" ou balançando uma garrafa surrealmente grande de champagne, vestindo um macacão todo tatuado de empresas e ouvindo as pessoas saudando ele.

Nenhum "case de sucesso" foi criado baseado em outro "case de sucesso"

Quando não temos uma meta bem definida, quando não sabemos o que queremos, nenhum modelo será bom o suficiente, nenhum hábito, nenhuma técnica, nada será eficaz. Mas além disso há também outro fator a ser considerado: a especificidade da realidade à qual aplicamos aquele modelo.

Só sistemas fechados e simples
comportam soluções únicas!
Trabalho com empresas e empresários e muitas vezes ficamos um bom tempo tendo descobertas acerca dos "cases de sucesso". Muitas vezes vejo eles lendo os "cases" como leitores inocentes de auto-ajuda, como se pudessem aplicar, por exemplo, a estratégia da Nike ao problema da Grendene. A Nike tem especificidades, tamanho, estruturas de produção e logística que a Grendene não tem e as "estratégias" da Nike dificilmente se encaixarão nas metas da Grendene. São ambas empresas do ramo de calçados, mas a semelhança nasce e morre aí.

Um "case de sucesso" deve ser lido para percebermos como uma empresa com problemas utilizou os recursos de que dispunha para resolver a questão ou até para alavancar o seu desenvolvimento através dessa situação, mas nunca com a expectativa de aplicarmos diretamente aquele "case" ao nosso caso particular.

Sun Tzu, no capítulo seis da obra "A Arte da Guerra" diz:
"Todo mundo conhece a forma que resultou em vencedor, porém ninguém conhece a forma que assegura a vitória. Em conseqüência a vitória na guerra não é repetitiva, senão que adapta sua forma continuamente. Determinar as mudanças apropriadas significa não repetir as estratégias prévias para obter a vitória. Para consegui-la, posso adaptar-me desde o princípio a qualquer formação que os adversários possam adotar."
Esse texto, escrito a 2500 anos, já nos alertava para a facilidade em perceber o vencedor depois da batalha vencida: "Todo mundo conhece a forma que resultou em vencedor", e para a impossibilidade de saber uma única forma que resulte na vitória: "...porém ninguém conhece a frma que assegura a vitória.", mas o mais importante é sempre a noção de que a vitória não se dá por modelos vitoriosos - nenhum "case de sucesso" foi baseado inteiramente em outro "case de sucesso" - e sim pela capacidade dos indivíduos envolvidos na tarefa de adaptarem-se às circunstâncias reais dadas no momento da "batalha".

Adaptação e vitória

Não estamos aqui apenas porque soubemos lutar bravamente com paus e pedras de 5000 anos até hoje, estamos aqui porque as situações mudaram e nós soubemos nos adaptar. Falando em adaptação, é bom que ela seja sempre mediada por nossas circunstâncias exteriores e orientada para nossas metas. São os dois focos da nossa atenção "no calor da batalha". Um célebre ocidental que estudou muito aprofundadamente acerca da adaptação, percebeu a importância dessa mesma atenção:

"A atenção é a mais importante de todas as faculdades para o desenvolvimento da inteligência humana." - Charles Darwin

Texto de Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Criador dos Treinamentos A Arte da Guerra e A Jornada do Herói

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Superioridade e Honra: Caminhos, descaminhos, estratégia e valores

"Existem vários caminhos. Há o Caminho da Salvação pela Lei do Buda, o Caminho de Confúcio que governa o Caminho do Aprendizado, o Caminho da cura como médico, como poeta ensinando o caminho de Waka¹, chá², arco e flecha³ e muitas outras artes e escolas. Cada homem pratica de acordo com sua inclinação." - Miyamoto Musashi, Livro da Terra, in: Livro dos Cinco Anéis (ou Livro das Cinco Esferas)

Para Musashi o caminho do Guerreiro é o caminho que leva à aceitação resoluta da morte. A morte, para uma cultura taoísta como a de Musashi, é a aceitação da eterna impermanência. Impermanência de nossos corpos, que envelhecem desde o dia em que nasceram, de nossas situações cotidianas que se transmutarão em outras, de nossa compreensão de nós mesmos e do universo que nos cerca. Para quem saiba ler o Livro das Cinco Esferas, tornar-se um guerreiro, ou melhor, assumir o caminho do guerreiro, é aceitar a mudança que se espera de toda ordem constituída. A vida é passagem e quem se perder nas margens do rio da vida na busca pela eterna infância, juventude ou mesmo eterna velhice, não pode assumir esse caminho, viver esse fluxo.

O Caminho da Estratégia

Os praticantes do caminho do guerreiro são conhecidos como "mestres da estratégia". A aceitação resoluta da morte, num contexto estratégico, nada mais é do que um bom exercício do que no ocidente denominamos "trade-off", abrir mão de algo (deixar algo morrer) para obter algo de maior valor para nossas vidas. Quando uso o termo "Valor" quero dizer "significado" e não explicitamente "dinheiro", "posição" ou "poder", a não ser que "dinheiro", "posição" e "poder" sejam seus valores primários. Valor é tudo aquilo que traz maior significado à sua vida.

"Recentemente têm surgido no mundo pessoas chamadas de estrategistas, mas no fundo não passam de esgrimistas." - Myiamoto Musashi

Vivemos num universo onde a mídia cerca e explode em multicores quando um envolvido em uma disputa comercial, industrial, política ou financeira atinge uma vitória. Tendemos a atribuir ao sujeito da vitória, ao vitorioso, títulos de estrategista, de grande guerreiro e de líder etc. Podemos até acreditar que livros como "A Arte da Guerra" de Sun Tzu estejam ultrapassados, que seus critérios de "vencer sem guerrear", "vencer o inimigo por cansaço" antes mesmo de entrar em batalha, "cooptar as mentes dos soldados do inimigo antes de enfrentá-los" etc estejam ultrapassados, afinal, o que as grandes revistas de negócios, os grandes livros e os grandes gurus nos apresentam é um mundo de grandes líderes em disputa acirrada, clara e aberta uns contra outros. Mas será que essas revistas não têm nenhum interesse? Será que elas não são patrocinadas por nenhum interesse? Quem paga a moda da ultracompetitividade? E paga com recursos infindáveis, ou com recursos finitos? E se esses recursos são finitos, porque se investe nisso?

Essência e aparência

O mundo da mídia pode se esgoelar para vender a cada um de nós a idéia de que a competição acirrada, a hipercompetitividade a qualquer custo é o caminho do "líder", do "guerreiro", do "estrategista", mas ele não pode negar o fato de que a Google, por exemplo, tem 4 décadas a menos do que a TimeWarner e tem o lucro líquido quase duas vezes maior. A diferença? A TimeWarner é a maior difusora da ideologia da hipercompetitividade no mundo e a Google não vende, mas efetivamente vive a ideologia da hipercolaborativiadade, dentro e fora da empresa. A quem interessa que nós permaneçamos sempre competindo, nos exaurindo, nos cansando, dispersando energia e recursos?

A aparência da hipercompetitividade não encobre a essência de que quem está na frente não compete, cria! Só me interessaria que meus "concorrentes" competissem se eu vivesse no eterno medo, no pânico completo de que, uma vez deixados em paz, eles pudessem "crescer" e "me passar". Essa é a ênfase normal na mente de um covarde, não de um guerreiro. A mídia corporativa, tal qual a mídia social, incentiva a covardia pela incitação do medo. Só quem é muito inseguro acerca das próprias potencialidades, das próprias habilidades e do próprio conhecimento consegue viver nessa lógica. Não é o caso de um guerreiro como exposto por Musashi.

A venda e os critérios para a compra


"Se observarmos o mundo, veremos artes à venda. Os homens usam equipamentos para vender a si próprios. É como se a noz valesse menos que a flor. Nesse tipo de 'Caminho da Estratégia', tanto aqueles que ensinam quanto aqueles que aprendem o caminho ocupam-se de exibir a técnica, tentando apressar o desabrochar da flor. Falam 'deste Dojo' e 'daquele Dojo'. Estão à cata de lucros. Alguém afirmou uma vez: 'A Estratégia Imatura é a causa do sofrimento'. É verdade." - Miyamoto Musashi

Impressionante como parece que Musashi viveu nesse mundo, não? É natural aos que captam a essência do ser humano. Por isso determinadas leituras se tornam clássicos, porque seus autores captaram algo de próprio da natureza humana. A palavra "Dojo", significa "escola". E não vivemos hoje uma difusão de escolas e métodos de liderança, estratégia etc? E só há uma maneira eficiente de verificar a validade dessas escolas e métodos: aproximarmo-nos delas cautelosamente nós mesmos (pouquíssimo e raramente pela mídia, ela é paga para agir e age segundo quem paga) e observarmos o que seus representantes escrevem diretamente, o que falam e o que fazem, observar-lhes a coerência interna e, principalmente, se seus valores e crenças condizem com os nossos valores e crenças.

Uma das maiores compreensões para o ser humano, talvez o grande discurso desse milênio, é a aceitação da diferença. Aceitar que a diferença existe e que não somos todos iguais é compreender, entre outras coisas, que há espaço para a diferença e que a "técnica" que funciona para o meu vizinho ou para o meu colega pode não ser a mesma que funciona para mim. Toda conduta humana está alicerçada em valores. Ora, uma técnica de liderança, uma "escola" de estratégia empresarial treina e às vezes até impõe uma determinada conduta. É necessário observar bem esses valores, para termos certeza se eles efetivamente são congruentes com os nossos ou não. Do contrário incorreremos em adotar uma postura esquizofrênica em nossas vidas e, mais cedo ou mais tarde, isso desembocará num desequilíbrio físico ou mental.

Esteja sempre atento aos interesses e aos valores por trás do que "consumir" mentalmente, fisicamente, financeiramente. É a sua integridade e a sua possibilidade de crescimento sadio ou patológico (doentio) que está em jogo.

Artigo de: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
www.institutoatena.com
Criador dos cursos
A Jornada do Herói
e
A Arte da Guerra

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¹ Waka: A palavra significa "Canção do Japão" ou "Canção em Harmonia", que designa um poema de trinta e duas sílabas.
² Chá: A arte de beber chá seguia um ritual simples até hoje ensinado nas escolas. Ficou conhecido no Ocidente como o ritual do chá, feito basicamente por duas pessoas.
³ Arco e Flecha: Assim como o chá e a espada, a arte do arco e flecha é praticada em um ritual. Foi a principal arma do samurai nos períodos Nara e Heian, sendo que, mais tarde, cedeu lugar à espada. Contudo, não perdeu sua importância cultural, aparecendo habitualmente nas ilustrações que representam o aparato portado pelos deuses. O deus da Guerra Hachiman costuma ser representado como um arqueiro.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Importância estratégica da Cultura

Sou rato de livraria. Confesso. Quando saio para algum cinema desses cujo circuito fica em shoppings (me permito ver blockbusters tanto outras formas de cinema), não me nego ao prazer de passear pelas livrarias - geralmente infelizmente apenas uma ou duas - que existem por lá. São universos condensados em páginas, prensados em papel que, uma vez abertos, correm o sério risco de abrir nossas mentes também. Quando procuro por livros quero saber ao menos um pouco da biografia do autor. Quem é aquele sujeito ou aquela digna senhora risonha que pretende que eu compre um bloco impresso de suas idéias, que eu tenha intimidade com elas a ponto de levá-los no colo até a rede da varanda para mergulhar no seu universo interior? Preciso me interessar pelo tema, sem dúvida, mas observo sempre - vícios da profissão - com que interesse aquela obra foi escrita, qual o pano de fundo do autor.

"Quem é que está falando?"
Acontece a mesma coisa com os treinamentos. Quando procuramos treinamentos, quando buscamos cursos e palestras que possam efetivamente agregar conteúdo e conhecimento prático a nossas vidas, buscamos as formações dos que as ministram. Queremos saber em que a palestrante da palestra de "liderança" é formada, qual a experiência do palestrante de "coach" no assunto em que ele está palestrando etc. Toda essa preocupação é extremamente genuína, afinal, teremos uma a três horas do nosso dia dedicadas a escutar o que essa pessoa tem a dizer, sem contar o tempo de translado que muitas vezes acontece também.

Naturalmente pensamos "é bom que seja bom!" e nesse ponto entram os especialistas em marketing pessoal, em luz, câmera e ação para fazer o estudo cromático da palestra, organizar as credenciais, as dinâmicas certas, as falas corretas, as movimentações de palco e tudo o mais envolvidos na atmosfera do treinamento, curso ou palestra. E é justo que assim seja e até esperado.

Intenção, viés, perspectiva
Toda essa preparação é importante seja qual for o tipo de palestra a ser ministrada. O que não se pode é perder de vista o conteúdo da palestra, esquecer o fundamento prático a ser desenvolvido depois dela e ficar fascinado por uma "pirotecnia" momentânea.

Uma palestra deve iluminar novas perspectivas de vida e, ao contrário do show, cuja essência se encerra em si mesmo e no ato de estar presente no momento - quase mágico - em que ele ocorre, a palestra deve, ao menos, incutir dúvidas interessantes, demolir algumas certezas infantis, alicerçar (mesmo que de leve) alguns novos pontos de vista e trazer um gostinho de novidade para depois dela. Esse ano decidi que só vou a shows se eu puder realmente dançar neles ou ouvir a música e me perder nela. Palestra eu vou para aprender algo novo, para conhecer novas perspectivas e profissionais interessantes. Talvez até para uma parceria, mas não para um show.

Quando vou a uma palestra sobre treinamentos ou coaching compreendo que vá ouvir muita coisa de que já estou ciente a algum tempo já que trabalho na área, mas espero ao menos ouvir algo em torno de 20 a 30% de novidade, afinal pelo menos é uma pessoa nova falando! Que o assunto não seja novo é compreensível e esperado muitas vezes, mas ao menos o viés, a perspectiva, a intenção, o foco! Gosto quando me pego rindo de canto de boca no meio de uma apresentação porque o palestrante uniu duas idéias que não me eram tão particularmente similares, gosto quando me pego aplaudindo de pé genuinamente. E aplaudo e sinto meu dia ganho com essas situações. E fico imaginando o que posso fazer, onde posso trabalhar para que meus ouvintes tenham sempre essa impressão das minhas palestras, sejam completamente leigos ou colegas de profissão.

Showman, mas com conteúdo!
Nada contra pessoas que sejam naturalmente engraçadas e divertidas no palco, que tenham intimidade e naturalidade com a audiência, isso é maravilhoso! É até esperado, se considerarmos os treinamentos de palco, rapport e técnicas de comunicação que temos antes de virarmos trainers em programação neurolingüística (pnl), por exemplo. Mas a forma não deve suprimir o conteúdo. O conteúdo de um palestrante, suas leituras, suas experiências, sua trajetória e descobertas, deve ser um rio caudaloso jorrando pela forma. Seja a forma de um coach, com perguntas poderosas e significativas para a platéia, instigando e fazendo refletir, seja a forma de um treinador em pnl com dinâmicas, técnicas e conhecimentos específicos da área. Quem já viu uma palestra do Anthony Robbins por exemplo sabe do que estou falando. Ou do Tom Best. Modelos completamente diferentes de palestrantes que prendem pela forma e pelo conteúdo. Um com show externo, outro com show interno.

Como um caldeirão criativo, o conteúdo do palestrante necessita ser claramente superior ao que possa caber no tempo da palestra. Quando, ao final de uma palestra, parece que o palestrante esgotou seus conhecimentos ou suas metáforas, que já está se tornando repetitivo e cansativo, ou respondendo perguntas através de frases feitas ou mantras superficiais, qual será meu interesse em fazer um treinamento com ele? Ou comprar seu livro ou querer conhecer melhor seu método? É importante que ele tenha não só conhecimento na área sobre a qual palestra, mas um certo domínio de uma cultura geral que o proporcione abarcar outros mapas quando estiver palestrando.

Conhecer mil mapas
Faz parte de uma das pressuposições básicas da pnl "o mapa não é o território", ou seja: minha representação do mundo (mapa) não é o mundo (território), de forma que a melhor maneira de garantir que minha mensagem seja passada para as mais diversas pessoas (e nunca sabemos quem estará presente) é falar através de diferentes metáforas, de diferentes campos do conhecimento. Por isso bons palestrantes de pnl são fenomenais, porque compreenderam que precisam ser internamente ricos para que possam ser melhor compreendidos e que se tornem mais interessantes, como pessoas e como profissionais.

Importância estratégica da cultura
Nunca confiei em comentadores. Concordo com Nietzsche quando ele diz: "...os intermediários falsificam quase involuntariamente o alimento que transmitem: além disso, como recompensa de sua mediação, pedem demais para si: interesse, admiração, tempo, dinheiro e outras coisas, de que ficam, portanto, privados os espíritos originais e produtivos.". Esse é mais um dos motivos pelos quais só trabalho com criações minhas. Não vejo nada mais enfadonho que uma palestra de um treinador falando sobre o fantástico desenvolvimento da idéia X do indivíduo Y. A menos que o indivíduo em questão esteja em outro plano existencial eu vou querer aprender com ele, diretamente, e não com o comentador. Aplico no trabalho o que aplico nos estudos. Leio direto os filósofos, se possível em suas línguas originais, depois posso até me interessar por um orientador, mas nenhum nunca teve a paixão e a riqueza que o original, até hoje.

Me importa a pessoa do palestrante, sua experiência pessoal com o que está veiculando. E para que a pessoa do treinador se faça ouvir para além da "pirotecnia" possível em uma palestra, é natural que se torne um ser que desafia minhas concepções de mundo, que me instiga a ir além nas minhas descobertas, que me enriqueça pelo simples fato de estar ali se comunicando comigo, enfim, um ser humano interessante.

"Quem abrir um livro de um filósofo de verdade, de qualquer época, de qualquer país, Platão ou Aristóteles, Descartes ou Hume, Malebranche ou Locke, Spinoza ou Kant, sempre encontrará um espírito rico em pensamentos, que possui o conhecimento e inicia no conhecimento, e que, sobretudo, se esforça sempre sinceramente para comunicar-se com os outros; por isso ele recompensa imediatamente seu leitor, a cada linha, pela fadiga de ler." - Arthur Schpenhauer

Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
www.institutoatena.com