quarta-feira, 27 de abril de 2011

Armadilhas pessoais: Ego, vaidade, autosabotagem e autopercepção

Nessas últimas semanas observei um comportamento no mínimo estranho dentro de um grupo de coaches de que faço parte no facebook. Me causou um certo espanto a declaração de um dos membros de que ele era o "melhor do Brasil" e que para comprovar isso bastava colocar no google e procurar por essas palavras-chave  - respectivamente "melhor coach do Brasil" - que encontraríamos o nome dele. 

Para além do fato de que o trabalho de coach é um trabalho de caráter pessoal e, portanto, deve ser medido por indicadores subjetivos, me impressionou na realidade a demonstração clara do que chamo a alguns anos de "malícia inocente", aquela espécie de malícia pueril digna de quem sequer cogita a existência de outras pessoas e subestima tanto a malícia quanto a inteligência alheia. Acima disso e muito mais grave que isso, subestima uma regra básica de conduta que já faz parte da cultura ocidental há mais de três mil anos (sim, muito antes de Cristo): Toda hýbris (conceito grego que significa "descomedimento do ego") será retaliada. Não demorou para que aparecessem vários colegas de profissão alertando ao autoproclamado "melhor" os perigos do egocentrismo.

Caminhos e descaminhos
O mito de Narciso, inevitável para quem pensa seriamente sobre o assunto, me vêm à mente enquanto escrevo essas pequenas considerações. Narciso, embevecido pela própria imagem no reflexo das águas paradas de um lago deixou-se definhar, sem comer ou beber, apenas admirando a própria beleza. Essa versão do mito me agrada mais pela carga simbólica que comporta. O deixar-se definhar sob águas paradas é justamente o deixar de admirar a riqueza alheia - em bom "pnlês" se é que esse idioma existe, ele deixou de admirar a riqueza dos mapas alheios, sua diversidade e os fluxos que advém dessa interação. Ele deixou de interagir. Para os gregos antigos o movimento das ondas e das águas simbolizava a vazão das emoções, o fluxo que sustenta nossa vida afetiva. O fato de Narciso estar hipnotizado por si mesmo sobre águas paradas simboliza justamente essa concepção de que os sentimentos se fixaram num único ponto e deixaram de fluir. Quando nossos sentimentos e percepções deixam de fluir porque ficaram estagnados em qualquer objeto de afeição (seja nós mesmos, seja apenas outra pessoa ignorando a nossa própria beleza, seja um grupo específico de indivíduos em detrimento do resto da humanidade) nós simplesmente deixamos de aprender, efetivamente definhamos e morremos.

Na medida em que a vida trata da mudança constante, cristalizar-se em qualquer ponto é negar a vida, sua riqueza, suas transformações, suas possibilidades, é mostrar uma visão muito estreita tanto de si mesmo quanto do universo ao redor.

O problema da "malícia inocente"
Em primeiro lugar, se pretendemos realmente ser estrategistas em nossas vidas, empresas ou projetos, precisamos urgentemente perder um pouco do que chamaremos de "malícia inocente". A "malícia inocente" é essa noção pueril (infantil) de que existe uma e apenas uma resposta, sistema ou forma de encarar o mundo que é válida, eficiente, eficaz e funcional. O caso crônico (grave) da "malícia inocente" é a crença arraigada de que alguém vai transformar essa solução milagrosa para os problemas da humanidade em um sistema, criar um livro, um método ou uma nova ciência e nos vender (geralmente na seção de promoções! Veja você!).

Isso é muito bom para criar campanhas de marketing - transformar determinado produto, livro ou idéia em algo completamente absoluto e indispensável -, mas em estratégia é um erro básico. Apoiar-se em uma única fórmula de ver o mundo: teoria dos jogos, teoria dos sistema, física quântica, administração clássica, hipercompetitividade a qualquer custo, busca patológica por "líderes" ou "lideranças", o que for, além de privar a todos nós da riqueza e da variedade da realidade - que sempre está para além de todas as teorias e leituras possíveis -, vai tornar-nos dependentes dessa visão que, uma vez derrotada, nos levará imediatamente ao desespero, perda de referências, estresse, desilusão, perdas financeiras e por aí vai, descendo a ladeira como bola de neve em desenho animado.

Eu sou meu maior inimigo
Em treinamentos e em coaching, a única pessoa que pode efetivamente te colocar no paraíso ou no inferno é o treinador ou o coach. Independente do que disserem a seu respeito, se bom, se mau, se culto, se limitado, se divertido ou monótono, haverá um momento em que você estará frente a frente com os alunos ou face a face com o coachee e é ali que tudo se constrói e é ali que tudo se estabelece. Com muita repetição e treinamento você até consegue fingir alguma cultura, alguma simpatia se não lhe forem naturais, mas não há como fingir ou como escamotear inteligência ou valores, eles extravasam através de nossos poros, mesmo porque a pressão de estar ministrando uma palestra ou um treinamento nos joga numa posição em que é necessário relaxar e mostrar-se, revelar um pouco de quem se é e do que se sente e pensa. Decorar citações de autores famosos ou frases de efeito não vai livrá-lo de encarar os alunos que efetivamente sabem o que fazem ali e estão ali para aprender e não para terem seus egos massageados nem - muito menos - para massagear o ego do palestrante, instrutor ou coach. Qualquer um que já tenha dado um treinamento sabe isso. O ser humano tem a fascinante capacidade de ser surpreendente!

Quando percebo um comportamento que peca pelo excesso de malícia inocente penso se não há, para além da necessidade óbvia de autopromoção ou afirmação do ego, um pouco de autosabotagem no processo. Se ao menos num nível inconsciente não está se operando uma forma de sabotar-se pelas mais diversas razões. Talvez até mesmo como um pedido de ajuda ao mundo exterior, por uma parte da pessoa que está se mostrando resistente a essa cristalização da vida a essa paralisação das águas, a esse endeusamento de si mesmo.

Conhece-te a ti mesmo
Muitas pessoas citam essa frase, escrita no pórtico de entrada do Oráculo de Apolo na cidade de Delfos na Grécia. Conhecer a si mesmo é observar as motivações internas que nos levam a praticar determinados atos ou a operar nosso sistema interno através de um ou outro valores e crenças e a nos perceber de determinada forma. O que me leva a agir de determinada maneira? Porque preciso tanto reforçar externamente uma qualidade minha? O que essa qualidade significa para mim?

É perfeitamente compreensivo que, quando nossos critérios valorativos internos não andam bem estruturados, busquemos os limites e contrapontos no mundo externo. Quando não nos aprovamos buscamos aprovação no outro, num discurso específico, numa metáfora, numa religião ou mais recentemente no google. Isso tudo é perfeitamente possível. Só cabe a cada um perceber-se e julgar se, mais do que possível, isso é realmente necessário ou se não seria melhor conseguir essa aprovação por crivos internos, como a consciência e a autopercepção.

Embaixo da frase "Gnoti Sáuton" (Conhece-te a ti mesmo) no oráculo de Delfos, há uma outra frase de igual importância embora menos citada que diz "Medén Âgan" (Nada além da justa medida), essa frase vai muito bem com uma certa passagem do evangelho de Lucas "Quando fordes convidados para as bodas, não tomeis o primeiro lugar, para que não suceda que, havendo entre os convidados uma pessoa mais considerada que vós, aquele que vos haja convidado venha a dizer-nos: dai o vosso lugar a este, e vos estejais constrangidos a ocupar, cheios de vergonha, o último lugar. Quando fordes convidados, ide colocar-vos no último lugar, a fim de que, quando aquele que vos convidou chegar, vis diga: meu amigo, venha mais para cima. Isso então será para vós um motivo de glória, diante de todos que estiverem convosco à mesa; porquanto todo aquele que se eleva será rebaixado e todo aquele que se abaixa será elevado (Lucas, cap. XIV, vv. 1 e 7 a 11.)

Em qualquer meio onde se pretenda ensinar é necessário que estejamos sempre à frente e, para isso, é necessário que estejamos sempre prontos a aprender, nunca a tomarmo-nos como obra última, perfeita e completa frente a um universo já plenamente esgotado diante de nossa própria grandeza. Perceber-se é um exercício necessário e constante de humildade, o mesmo exercício que nos possibilita evoluir e não sermos "definitivamente", mas tornamo-nos sim, diariamente, melhores que nós mesmos, nunca melhores que ninguém.

Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
Arte em Treinamento Especializado e Neurolinguística Aplicada

Criador dos cursos únicos e patenteados
A Jornada do Herói
A Arte da Guerra Oriental
Estratégia em Ação
Liderança Corporativa e PNL

4 comentários:

  1. Parabéns Renato, que belo artigo. Que maestria com com esse tema. Parabéns amigo, de forma clara, trouxe a tona a luz que as se esconde no Psique de muitos. E sssim temos muitos por ai, "alto" se define o melhor em alguma coisa.

    Sucesso amigo

    Cesar Lustosa

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  2. Obrigado Celso!
    Fico sinceramente preocupado quando vejo essa espécie de "pedido de ajuda". Percebo que talvez se tenha a necessidade de estabelecer um contraponto externo para a ausência de crivos internos.

    É algo a se refletir porque qualquer um de nós está sujeito a isso. "O preço da liberdade é a eterna vigilância" inclusive no que tange ao nosso ego e à nossa compreensão de nós mesmos.

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  3. Parabéns Renato!!!

    Que os deuses te fortaleçam e inspirem a cada dia!
    Abraço. Carla Lages.

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