terça-feira, 10 de agosto de 2010

O Morno: liderança e fluxo energético


A liderança é uma tarefa que exige alto grau de energia, tanto a energia concentrada, necessária para focarmo-nos em um projeto ou campanha específica por um longo período de tempo, quanto a energia dispersa, utilizada para lidar com vários assuntos de diferentes naturezas concomitantemente. Ao contrário do que postulavam os filósofos do liberalismo clássico, o ser humano não é uma máquina capaz de realizar trabalho em troca de parcos momentos de descanso, com jornadas de trabalho exaustivas, má alimentação e nenhum cuidado ou consideração para com seu aparato psicológico. O ser humano produz mais - esteja ele numa posição de liderança ou não - se mantiver um fluxo alto de energia para a realização das atividades diárias e esse "alto" fluxo energético depende de vários fatores, como:

1. Boa Alimentação (nutrição adequada)
2. Espaço para a manifestação e desenvolvimento de suas idéias
3. Sentir-se bem desafiado
4. Bom desacanso
5. Sentimento de pertença (familiaridade) com o trabalho
6. Envolvimento emocional com o trabalho
7. Sentir-se valorizado quando merece
8. Espaço e motivos para ampliação dos seus conhecimentos

Se buscarmos, apenas por uma questão de entendimento, divivir essas necessidades naturais do ser humano na posição de líder em formas mais fáceis de compreender, teríamos algo próximo da clássica leitura grega do ser humano sobre quatro elementos.

Sob os aspectos, digamos, "terrenos", teríamos:
1. Boa alimentação
4. Bom descanso.

O corpo é o único instrumento de que dispomos para manifestar nossa vontade no mundo real. Nossos pensamentos, projetos e idéias não são escutados, nossos sentimentos não evocam nenhuma percepção, solidariedade ou asco a não ser por vias corporais. O corpo é nossa base e é cuidando dele que podemos trabalhar todos os outros aspectos de nosso ser.

Hoje em dia ter uma boa alimentação depende muito mais de uma adequada capacidade de organização do tempo e de auto-controle do que efetivamente de "cozinhar a própria comida", algo saudável, mas verdadeiramente improvável. Conceitos como "prato colorido", "de três em três horas" e "leve antes de dormir" já são bons indícios de que a sociedade tem percebido e disseminado regras construtivas sobre alimentação.

Tanto para a alimentação como para o descanso a lógica permanece a mesma: é praticamente impossível, no ritmo de vida cotidiano, esperar efetivamente alimentar-se e descansar-se devidamente todos os dias, mas é perfeitamente possível e mesmo desejável orientar-se no sentido de "compensar" as faltas, tanto no que tange a nutrição quanto ao descanso. Virar a noite debruçado num projeto que exige nossa força de vontade, concentração e nos envolve emocionalmente é até prazerozo, mas após a entrega ou apresentação desse projeto o mais saudável a se fazer é tomar um bom chá calmante, apagar todas as luzes, tirar o telefone do gancho e deixar teu corpo te acordar.

Sob os aspectos, digamos "aquáticos", teremos:
5. Sentimento de pertença (familiaridade) com o trabalho
6. Envolvimento emocional com o trabalho

É impossível ser um líder, ser um referencial de crédito, autoridade e poder se você não se identifica com o que faz. A não ser o líder institucional, que cumpre um cargo eletivo dentro de uma estrutura sob a qual ele se submete a uma posição de liderança mais do que busca. O líder deve inspirar o ambiente ao redor e, para isso, ele deve estar inspirado. O trabalho deve ser natural para ele, como uma extensão da própria existência e do seu próprio modo de ser.

O sentimento de pertença, a familiaridade com as pessoas, o ambiente, os comportamentos propícios, os valores envolvidos naquela atividade produtiva é que vão dar a ele a real dimensão de quem é e do que faz ali. Sem isso não há o envolvimento emocional necessário para dar significado e credibilidade para o líder.

Sob os aspectos digamos, "aéreos", teríamos:
2. Espaço para a manifestação e desenvolvimento de suas idéias
8. Espaço e motivos para ampliação dos seus conhecimentos

Um trabalho realmente envolvente tem de possuir algum nível de desafio intelectual. Lidar com problemas de relacionamento de funcionários diariamente pode ser um nível de desafio interessante para alguns líderes, outros preferem organizar uma solução que minimize esse aspecto e abra espaço para novos e maiores problemas que, com certeza, surgirão.

É grande hoje em dia o número de empresas que investe na formação intelectual dos seus profissionais, pagando cursos de idiomas, faculdades, mestrados, doutorados etc. Algumas empresas chegam mesmo a criar suas próprias faculdades internas, como a Valer, da Vale. A ampliação de conhecimentos, a valorização da "prata da casa" deve ser sempre compatibilizada com o aumento do grau de desafio a que o funcionário está submetido, assim como é imprescindível que ele veja claramente a ligação entre o curso que está fazendo e o papel profissional que desempenha.

Finalmente sob os aspectos "ígneos" teríamos:
3. Sentir-se bem desafiado
7. Sentir-se valorizado quando merece

Sem desafio não há liderança pelo simples fato de que o líder não se sente motivado o suficiente para angariar recursos e desenvolver habilidades, gastar tempo e dispender energia para executar nada e, também, ninguém se sente interessado em fazer parte de um grupo que não vai de encontro a um grande e válido desafio que guarde uma recompensa valorosa.

Da mesma forma empreender uma jornada de trabalho, movimentar pessoas, idéias, relacionamentos, contatos, ferramentas e habilidades para alcançar um determinado patamar, fechar um determinado negócio ou produzir algo totalmente novo e inusitado e não ser devidamente valorizado é uma das maiores frustrações, um dos grandes motivos da proliferação de psicopatologias em profissionais de alto desempenho. É necessário que se possibilite, ao vencedor, sua devida parcela de "honra ao mérito" de ter realizado o que se propôs e que, fosse fácil ou difícil, antes não estava feito e agora está e está graças àquele que arregaçou as mangas, foi lá e fez.

A importância do equilíbrio
A noção de equilíbrio nos seres humanos é algo muito interessante e é através dela que trataremos a liderança no final deste artigo.

Aprendemos a noção de equilíbrio desde cedo, no movimento do berço, no balanço que nina o bebê e modifica seu estado de espírito, seu humor. Futuramente levamos essa idéia de equilíbrio para conceitos mais abstratos como a justiça ou a saúde. Eventualmente podemos levar essa mesma noção à observação de um quadro, no seu equilíbrio de cores etc.

Da mesma forma devemos atentar para o equilíbrio nas relações no que tange aos aspectos relacionados acima, ou seja: o fluxo de energia, do muito para o pouco, do pouco para o muito ao longo do dia, seja na alimentação, no descanso, no entender-se como parte integrante de um projeto e identificar-se com ele, no sentirmo-nos intelectualmente desafiados e no considerarmo-nos valorizados quando justo. Essas dimensões criam uma espécie de campo em que essas forças operam, nossos aspectos terrenos, aquáticos, aéreos e ígneos.

Operar o fluxo de energia dentro desse "campo de forças" do trabalho é saber, por exemplo, quando uma discussão se opera por uma questão prática, técnica, emocional ou por uma questão de ego dos envolvidos. Saber diagnosticar e agir pontualmente sobre o problema real é, enfim, não deixar se instalar o "morno", a inércia, o não-fluxo, a tão temida "zona de conforto" de que falam os especialistas em comportamento corporativo, a falta desse fluxo natural é o causador dos maiores problemas no que tange à liderança.

Texto: Renato Kress
Diretor do Instituto ATENA
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